A BUSCA DE WAGNER MOURA NO FESTIVAL DO RIO 2012

“Na dúvida, desista” – é a frase que se lê estampada na camiseta do adolescente Pedro logo no início do filme paulista A Busca, estréia de ontem na Première Brasil do Festival do Rio. Seria um alerta ao expectador?! Em caso de dúvida, desista de ver esse filme!? Eu não tive dúvida alguma: quando soube que tinha Wagner Moura na telona, fui à cavalo pro Odeon. Aliás, dúvida foi o que não teve o diretor Luciano Moura ao escalar Wagner pra encarnar o protagonista de seu filme (serão parentes?). O ator também não teve qualquer dúvida, uma breve leitura no roteiro e o papel já estava aceito.


Brás Antunes em cena de A Busca (foto: divulgação)

O filme é um road-movie brasileiro com ênfase dramática e pitadas de humor e suspense. Teve première mundial em Sundance em janeiro deste ano, onde já foi indicado ao Grande Prêmio do Júri. Ontem teve sua primeira exibição brasileira e arrebatou a platéia que lotava o Odeon. Antes de encontrar seu nome definitivo, o filme já se chamou Até o Fim do Mundo e A Cadeira do Pai, tradução literal do título em inglês Father’s Chair. Gosto mais do novo título A Busca, mas adoraria saber as razões da mudança. Assinado pela produtora paulista O2, de Fernando Meirelles, a fita dura 96 minutos, custou cerca de 5 milhões e foi quase toda rodada em Paulínea. A estréia no circuito brasileiro está agendada somente para março de 2013. Do Rio o filme segue para Toronto, onde terá noite de gala no 6º Brazil Film Fest no sábado 20 de outubro. Sorte dos canadenses ..



Luciano Moura (foto: divulgação)

O roteiro de Elena Soarez e Luciano Moura é um dos trunfos da fita: simples, bem construído, sem efeitos alucinógenos nem reviravoltas mirabolantes, conta mais uma história de pai-e-filho – que pelo jeito tornou-se um tema recorrente na cinematografia brasileira atual. Theo, um médico de 35 anos, arrogante e controlador, quer obrigar a ex-mulher a colocar azulejos novos na piscina e forçar o filho adolescente a fazer intercâmbio na Nova Zelândia. Após presenciar mais uma briga dos pais recém-separados, Pedro foge de casa no final de semana em que está completando 15 anos. Theo parte de São Paulo no encalço do filho .. mas intempéries do destino fazem com que Pedro, mesmo tendo fugido a cavalo, esteja sempre à frente do pai, que o persegue de carro. O garoto vai deixando pelo caminho vestígios de sua passagem, pistas que são prontamente encontradas pelo pai. Theo procura pelo filho, porém nessa busca ele acaba encontrando é a si mesmo.

Como em todo road-movie, os pontos altos do filme são as situações e experiências que esse homem vai vivenciando pelo caminho. São pessoas e lugares simples, de um Brasil periférico, rural, genuíno .. que não deixam o espectador desgrudar da tela. Theo vive momentos marcantes com um criador de cavalos, com a comunidade de uma favela, com uma família que mora numa balsa, num vilarejo rural, num canavial, num festival de rock em Mimoso, faz um parto à beira de um rio, leva algumas surras, é atropelado na rodovia .. mas ele não tem dúvida, nunca desiste, e segue se machucando, se despedaçando, para se reunificar no final.

Mariana Lima em cena de A Busca (foto: divulgação)

Com A Busca, seu primeiro longa de ficção, Luciano Moura se firma em definitivo com diretor de peso na seara movediça do cinema nacional. Ele começou como fotógrafo still, já produziu, roteirizou, e agora nos brinda com um trabalho direto, conciso, objetivo e focado no roteiro. A vasta experiência em publicidade e teledramaturgia influencia positivamente na direção do filme, que soa moderna, limpa, redonda e tecnicamente impecável. Vícios de diretor estreante? Não tem. Até porque Luciano não é. Já em 1992 seu curta Os Moradores da Rua Humboldt ganhou ‘melhor filme’ nos festivais de Havana, Cartago e aqui no Rio. Ele foi um dos diretores de Todos os Corações do Mundo, filme oficial da Copa do Mundo de 1994. E em 2006 dirigiu episódios para as séries de TV Antonia e Filhos do Carnaval. Até o momento, Luciano tem sido um dos diretores de publicidade mais requisitados da O2 Filmes. Pelo andar da carruagem, deve mudar de setor.

Abrahão Farc em 2011 (foto: Bob Souza)

O elenco é encabeçado por Wagner Moura, que protagoniza o filme de forma magistral da primeira à última cena (merece um parágrafo especial abaixo). Também cabe destacar as interpretações marcantes da experiente Mariana Lima – como Branca, a mãe linda e desesperada –, do novato Brás Antunes (filho de Arnaldo Antunes) – como Pedro, o adolescente fujão em seu cavalo preto – e do veterano Lima Duarte, numa participação pequena porém definitiva como o avô da história. O elenco de apoio – personagens que Theo encontra pelo caminho – também abusa de atuações excelentes. Reverencio a todos citando aqui apenas o nome de Abrahão Farc, um dos mais profícuos atores brasileiros de todos os tempos, falecido há 10 dias atrás, aos 75 anos, após 50 de carreira. Em A Busca, Abrahão faz um velho cardiopata e ranzinza, naturalmente hilário. Foi sua última e memorável aparição. Deixa muitas saudade em toda uma geração de fãs ..

A película ainda conta com a excelente fotografia de Adrian Teijido, que se esmera nos enquadramentos bem construídos e brinca sem medo com o difícil recurso da contraluz. Dá muito certo. A montagem de Lucas Gonzaga é ágil, precisa, não deixa o filme perder o ritmo em momento algum. A produção de Andrea Barata Ribeiro e Bel Berlinck é de um zelo que deixa brilho nos olhos do expectador. A direção de arte de Marcelo Escañuela é sutil e eficaz, sem falar na direção musical caprichosa de Beto Villares, que usa a ótima música instrumental brasileira para valorizar cada cena. A trilha sonora, super eficiente, vai de Antunes a Wagner .. e falando nisso ..


Wagner Moura em cena de A Busca (foto: divulgação)

Wagner Moura pode não ser o ator brasileiro mais badalado do momento, mas não há dúvida que é, disparado, o melhor. Cada novo trabalho seu deixa público e crítica boquiabertos. Ele se decompõe e se reconstrói com a destreza de um camaleão pantera, dá vísceras a todos os personagens que encarna. E o que é mais louvável: sem afetações, sem virtuosismos, e dando aquela impressão de insustentável leveza do ser que não faz esforço algum pra ser ótimo. O bahiano é mesmo ótimo! Ele já era bom em Abril Despedaçado (Walter Salles), e continuou sendo em Deus é Brasileiro (Caca Diegues), Carandiru (Hector Babenco), O Homem do Ano (Ze Henrique Fonseca), O Caminho das Nuvens (Vicente Amorim), Cidade Baixa (Sergio Machado), Ó Pai, Ó (Monique Gardenberg), Saneamento Básico (Jorge Furtado), Romance (Guel Arraes), VIPs (Toniko Melo), Tropa de Elite 1 e 2 (José Padilha), O Homem do Futuro (Cláudio Torres) .. só pra lembrar alguns nomes de sua filmografia que já conta com mais de 20 trabalhos, somente em cinema. Agora, aos 36 anos, no auge da maturidade profissional, Wagner dar-se ao luxo de investir na carreira de músico. Já vem nos últimos anos desenvolvendo um ótimo trabalho como vocalista da Banda Sua Mãe, e no último semestre fez às vezes de Renato Russo, cantando com Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá num tributo da MTV ao saudoso Legião Urbana. Foi no Espaço das Américas e Wagner, simplesmente, arrasou.

O ator acaba de rodar em Fortaleza o longa Praia do Futuro de Karim Ainouz, e no Canadá filmou Elysium, ação de Neill Blomkamp, seu primeiro filme fora do Brasil, atuando em inglês e dividindo a tela com Matt Damon e Jodie Foster. Ambos com estréia prevista para 2013. No momento Wagner se prepara para dois novos projetos: Serra Pelada, novo longa de Heitor Dhalia, e Fellini Black and White, drama americano de Henry Bromell, baseado em fatos reais, em que vai encarnar nada-mais-nada-menos que o diretor italiano Federico Fellini. E como se não bastassem tantos compromissos artísticos, ele ainda encontra tempo para ser um dos principais articuladores da classe artística na meteórica campanha de Marcelo Freixo à prefeitura do Rio. Ontem na porta do Odeon a chegada de Wagner causou furor na multidão de fãs, amigos e jornalistas, enquanto um grupo de animados militantes do PSOL gritava palavras de ordem em favor do segundo turno, que periga acontecer. No que depender de Wagner Moura, se duvidar, insista.




Wagner Moura na premiere de A Busca, Cine Odeon, 03/10/12 (foto: Pedro Kirilos - O Globo)


A Busca ainda segue em cartaz no Festival do Rio amanhã e sábado, no Roxy e Cinemark Botafogo, respectivamente. Na dúvida, não resista, entre no cinema e veja. É um ótimo filme, e por enquanto o favorito ao Prêmio Redentor da Mostra Competitiva Nacional.


Grande abraço
.DarioPR