GRAMADO 2015 / FINALEIRA - por Dario PR


No Festival de Gramado tudo acontece em ritmo de urgência e com tal intensidade que quando termina deixa sempre uma grande saudade no coração de quem mergulhou de fato na experiência. Sem falar do cansaço que bate, pelo turbilhão de emoções vividas, pelas noites sem dormir, por tantos filmes vistos, novos amigos, velhos amigos, esperanças, projetos, disputas, políticas e paixões .. Tudo junto e misturado .. Passada a ressaca, é hora de refletir um pouco sobre o saldo do Festival.

A noite de maior celebração do 43º Festival de Cinema de Gramado, neste último sábado (15/08/2015), distribuiu Kikitos em 28 categorias e R$ 280 mil em prêmios aos vencedores, além do troféu ‘Cidade de Gramado’ a 6 filmes (dois longas estrangeiros, dois longas e dois curtas brasileiros) escolhidos pelo júri popular e pelo júri da crítica.


A cerimônia de premiação foi marcada pela “Ausência” do cineasta Chico Teixeira, o grande vitorioso da noite, que não pôde vir ao festival por estar em quimioterapia. Seu longa recebeu 4 Kikitos de melhor filme, diretor, roteiro e trilha musical (para Alexandre Kassin). Todos merecidos, pois o filme é excepcional (vejam minha crítica aqui). Representando o diretor estiveram em Gramado os atores Gilda Nomacce e Matheus Fagundes, mãe e filho no filme que, não tendo sido eles mesmos premiados, subiram ao palco quatro vezes. Chico enviou pra Gramado um vídeo que foi exibido no telão do Palácio dos Festivais.

Gilda Nomacce .. Nunca houve uma mulher como Gilda .. Desde o dia que pôs os pés em Gramado (na terça) até o final do festival, ela "divou" absoluta na Serra Gaúcha, deixando claro pra todos, que ali estava uma atriz definitiva. Ela merecia ter levado um Kikito pra casa. O que se comentou a boca miúda é que houve um erro na indicação de Gilda, que concorreu como atriz protagonista, quando de fato seu personagem no filme é coadjuvante. A equipe do festival diz que o equívoco partiu da equipe do filme, e vice-versa. Saí de Gramado sem a certeza dos fatos. Mas creio que ela certamente teria ganho se houvesse concorrido na categoria certa; afinal, erro gera erros, como erre gera erres ..

Outras quatro obras dividiram os prêmios para longas-metragens brasileiros com ‘Ausência’: ‘O Último Cine Drive-In’/DF de Iberê Carvalho, ‘Um Homem Só’/RJ de Claudia Jouvin, ‘Ponto Zero’/RS de José Pedro Goulart e ‘O Outro Lado do Paraíso’, de André Ristum. 


‘O Último Cine Drive-In’ (crítica aqui) levou 4 prêmios importantes e foi o segundo longa mais laureado da noite. (1) Melhor filme pelo júri da crítica. (2) Melhor ator para Breno Nina (foto), que fez uma atuação memorável e estreia no CB [Cinema Brasileiro] com os dois pés direitos. (3) Fernanda Rocha, mulher do diretor, surpreendeu ao ganhar novamente como melhor atriz coadjuvante, pois já havia ganho ano passado no Festival do Rio. (4) Mas a surpresa maior foi o Kikito de direção de arte para Maíra Carvalho, irmã do diretor, que fez um trabalho sutil num filme naturalista onde o principal objetivo da direção de arte é fazer com que a arte não apareça.  Além da história de um cinema, ‘O Último Cine Drive-In’ conta também a história de uma família. O longa estreia comercialmente nesta quinta nas telonas de 11 cidades brasileiras. Tomara que faça o mesmo sucesso que fez em Gramado.

‘Um Homem Só’ levou os Kikitos de (1) melhor ator coadjuvante para Otávio Muller, que estava impagável no papel do amigo-âncora do protagonista; (2) melhor fotografia para Adrian Teijido, fotógrafo argentino radicado em São Paulo e internacionalmente premiado por ‘O Palhaço’, ‘A Busca’, ‘Gonzaga: de Pai pra Filho’, ‘Boca do Lixo’, ‘Onde Andará Dulce Veiga?’ etc; (3) e melhor atriz para Mariana Ximenes, irreconhecível como a ruivinha sardenta Josie que, além de ser a mocinha da história, serve de gatilho para as transformações que acontecem na vida do protagonista Arnaldo, vivido por Vladimir Brichta. Mariana só chegou em Gramado no penúltimo dia, mas já com pose de vitoriosa, distribuindo simpatia e iluminando o Palácio dos Festivais com seu sorriso genuíno. Fez a alegria de fotógrafos e fãs.

Mariana é também uma das produtoras associadas, e participou do projeto do filme desde sua concepção, feita a seis mãos com as amigas Claudia Jouvin e Maria Carneiro da Cunha. Como se pode ver, é um filme de mulheres que fala de homens .. melhor, de dois homens .. melhor, de Um Homem Só, que é ao mesmo tempo todos os homens do mundo. Vladimir é um ator de olhos tristes que sempre me comove muitíssimo, mas não esperava que fosse gostar tanto desse longa.  Me pegou de jeito ..


O Kikito de melhor atriz para Mariana Ximenes dividiu opiniões e provocou críticas severas ao júri oficial, por ser ela uma atriz muito associada a novelas da Rede Globo. O que pouca gente lembra (ou sabe) é que Mariana tem uma longa carreira no CB, já tendo brilhado em mais de 20 filmes de qualidade inquestionável e recebido elogios derramados de renomados realizadores. Em 2001 ela foi dirigida por Júlio Bressane em ‘Dias de Nietzsche em Turim’. Em 2002 ganhou três prêmios de melhor atriz coadjuvante por sua atuação em ‘O Invasor’ de Beto Brant. Em 2003 arrebatou as plateias com ‘O Homem do Ano’ de José Henrique Fonseca. Em 2004 esteve em ‘Histórias de Cama e Mesa’ de Maurício Farias e protagonizou o curta ‘Uma Estrela Pra Ioiô’ de Bruno Safadi. Em 2005 foi a vez de ‘Gaijin – Ama-me Como Sou’ de Tizuka Yamasaki e ‘A Máquina’ de João Falcão. Em 2006 foi protagonista em ‘Muito Gelo e Dois Dedos d’Água’ de Daniel Filho. Em 2008 esteve em ‘A Mulher Do Meu Amigo’ de Cláudio Torres. Em 2009 fez ‘Hotel Atlântico’ de Suzana Amaral e foi novamente protagonista em ‘Bela Noite Para Voar’ de Zelito Viana e ‘Quincas Berro d’Água’(2010) de Sérgio Machado. Nos últimos 5 anos ela só teve tempo pra fazer uma novela, pois simplesmente invadiu o CB nos ótimos ‘O Gorila’(2011) de José Eduardo Belmonte, ‘Os Penetras’(2012) de Andrucha Waddington, ‘O Uivo da Gaita’(2013) de Bruno Safadi, ‘O Rio nos Pertence’(2014) de Ricardo Pretti, ‘Um Homem Só’(2015) de Claudia Jouvin, ‘Zoom’(2015) de Pedro Morelli, Prova de Coragem de Roberto Gervitz, Depois de Você’(2016) de Marcus Ligocki, e ‘O Grande Circo Místico’(2016) de Cacá Diegues. É ou não é uma filmografia impressionante para uma atriz de apenas 34 anos ?? Benza Deus !!

O longa gaúcho ‘Ponto Zero’ de José Pedro Goulart levou os Kikitos de montagem (Federico Brioni) e desenho de som (Kiko Ferraz e Christian Vaisz). É um filme interessante que passeia entre o thriller de mistério e o terror psicológico. Também terá uma bela carreira pela frente.

‘O Outro Lado do Paraíso’ (que talvez seja o inferno), de André Ristum, levou um único porém importante prêmio: melhor filme pelo júri popular. Segundo longa brasiliense da mostra, usa uma linguagem comercial pra contar histórias da construção da capital federal e do golpe de 64, pela ótica de um menino. Em seu discurso de agradecimento, o autor e produtor Luiz Fernando Emediato fez um pronunciamento polêmico ao ecoar uma fala já ensaiada pelo produtor Luiz Carlos Barreto em defesa do “estado democrático de direito, que está ameaçado de golpe”, em alusão a um suposto impeachment da presidenta Dilma. De “imediato” um pequeno segmento da plateia irrompeu em aplausos, enquanto outro grupo, também pequeno, contra-atacou com vaias. A maior parte da audiência observou impassível.

Na minha opinião a maior “injustiça” na premiação da mostra competitiva de longas brasileiros foi ‘O Fim e os Meios’ (crítica aqui) não ter ganho nada. Seu diretor, o veterano Murilo Salles, que já havia faturado o Redentor de melhor roteiro no último Festival do Rio, esteve presente e atuante durante todo o festival, sendo um dos poucos cineastas a interagir diretamente com os críticos e jornalistas presentes, suscitando e aprofundando a discussão não apenas sobre seu filme, mas sobre o festival como um todo. Merecia um Kikito .. como o tradicional ‘Prêmio Especial do Júri’, por exemplo, que esse ano não foi pra nenhum longa. 


Entre os longas latino-americanos, o argentino ‘La Salada’, de Juan Martín Hsu, ganhou melhor filme tanto no júri oficial quanto no júri da crítica. O prêmio já era esperado pois o boca-a-boca consagrador tomou conta da cidade na noite em que o longa foi exibido. Outros 6 prêmios para produções em espanhol foram divididos entre o cubano ‘Venecia’ de Kiki Alvarez (melhor diretor, atriz e fotografia) e o mexicano ‘En La Estancia’ de Carlos Armella (melhor roteiro, ator e troféu Dom Quixote da Federação Internacional de Cineclubes). Já o colombiano ‘Ella’ de Libia Gómez Díaz foi eleito melhor filme pelo público de Gramado. Dos que pude ver, pinço como injustiçado nessa categoria o uruguaio ‘Zanahoria’ de Enrique Buchichio, que merecia voltar pra casa com pelo menos um Kikito.

Entre os curtas-metragens, ‘O Corpo’ foi o grande vitorioso, tendo participado das duas mostras de curtas do festival (a nacional e a gaúcha) e ganho o prêmio principal em ambas. Num ano com tantos curtas bons, acho que a premiação poderia ter sido mais contemplativa do que foi. Dos que vi, destaco dois “injustiçados” que mereciam ter levado ao menos um Kikito: ‘Muro’/SP de Eliane Scardovelli, e ‘Enquanto o Sangue Coloria a Noite, Eu Olhava as Estrelas’/SP de Felipe Arrojo Poroger. Sem falar de um que ficou fora da competição por ter descumprido o regulamento (adoro isso!): ‘Como São Cruéis os Pássaros da Alvorada’/MG, de João Toledo. Pretendo seguir vendo e comentando os curtas de Gramado nas próximas semanas. Ganhei alguns em DVD e de outros recebi o link + senha pra ver online.

Dos 14 curtas em competição, os 5 principais vencedores – com dois prêmios cada – foram: ‘O Corpo’/RS de Lucas Cassales (melhor curta e melhor fotografia para Arno Schuh); ‘O Teto Sobre Nós’/RS de Bruno Carboni (diretor e som para Tiago Bello); ‘Quando Parei de me Preocupar com Canalhas’/SP-GO de Tiago Vieira (roteiro e ator para Matheus Nachtergaele), ‘Dá Licença de Contar’/SP de Pedro Serrano (júri da crítica e prêmio Canal Brasil); e ‘Miss & Grubs’/SP de Camila Kamimura e Jonas Brandão (trilha musical para Felipe Junqueira e Samuel Ferrari, e direção de arte para Welton Santos). Outros 4 curtas marcaram presença com apenas 1 prêmio: ‘Bá’/SP de Leandro Tadashi (júri popular), ‘Virgindade’/PE de Chico Lacerda (montagem), ‘Herói’/SP de Pedro Figueiredo (atriz para Giuliana Maria) e ‘Haram’/BA de Max Gaggino (prêmio especial do júri).


A noite de encerramento foi tradicionalmente apresentada pela dupla Leonardo Machado e Renata Boldrini, e animada pela banda portalegrense ‘Rock de Galpão’ que, entre outros números, prestou homenagem a um saudoso músico, ator, autor e produtor do cinema nacional: o gaúcho Teixeirinha.

O Festival de Gramado dá panos pra manga e eu poderia escrever aqui mais uma dúzia de parágrafos .. Então, pra terminar, acho importante dizer que todos os longas brasileiros laureados foram beneficiados pela saída do páreo de ‘Que Horas Ela Volta?’/SP de Anna Muylaert (crítica aqui), que levaria muitos dos prêmios distribuídos se tivesse participado da competição. Para provar que num festival o mais importante não é ser premiado, ‘Que Horas’ voltou pra casa sem nenhum Kikito, mas foi um dos poucos consensos deste ano na Serra Gaúcha. Crítica especializada, público pagante e artistas convidados dessa vez convergiram em torno da mesma constatação: ‘Que Horas’ foi unanimemente consagrado como “o Melhor dos Melhores” do festival. Coisas da vida, e dos festivais de cinema.

Viva Gramado !!

Dario PR